É tradição fazer a retrospectiva do ano que
passou, sempre no final de dezembro. Uma prática indispensável para quem quer
conduzir a vida balizada por valores morais e assume o compromisso de ser bom,
de desempenhar bem suas responsabilidades e missão. A cidadania ganha muito de
quem faz um balanço de seus atos, conduta, palavras e escolhas. Tem muito a ver
com a dinâmica do exame de consciência diário que a espiritualidade cristã
católica indica.
Essa prática é um caminho indispensável, condição de superação
de arbitrariedades, perda de rumos que comprometem a ordem moral e traz grandes
prejuízos para a vida familiar, profissional e política. O limiar da contagem
dos últimos momentos de 2019 deve ser propício para uma retrospectiva em
dinâmica de exame de consciência.
A tradicional retrospectiva veiculada na TV é interessante, pois
proporciona uma visão de conjunto de tudo o que se viveu e aconteceu mundo
afora. É uma retomada de acontecimentos que inclui as catástrofes e fracassos
na política, na economia, momentos de alento mostrando a saudade de
celebridades que partiram ou o apogeu de desportistas, artistas e alguns
outros. Um enfoque incluído é aquele dos resultados negativos e das perdas
causadas pela violência, pelo narcotráfico e pela dependência química, pelas
artimanhas políticas e interesseiras. No conjunto desse cenário aparece aqui e
acolá brotos de esperança para alentar a passagem do ano e inspirar novos
propósitos, tão indispensáveis para que se possa viver melhor.
Inquestionável é a necessidade de conhecer essa retrospectiva
com a ajuda de imagens que impactam e reavivam na memória do coração razões de
lágrimas, sorrisos, alegrias de conquistas e ternura indispensável. Mas é
importante também fazer a própria retrospectiva, na individualidade da conduta
cidadã, da experiência da fé e do sentido dado à própria vida. Esse momento é
um exame de consciência capaz de fazer brotar um espetáculo que não se esvai
facilmente como a meia hora de shows pirotécnicos da noite do réveillon.
A explosão da alegria com a chegada do ano novo pode ser
fecundada por uma preparação também pessoal. Um exame individual que pode
remeter ao núcleo mais recôndito da consciência para lá viver uma escuta
indispensável – antes dos brados de alegria. A escuta faz da interioridade
fonte de uma sabedoria que, inteligentemente, reorganiza a vida. É um caminho
para a verdadeira felicidade, exercício que sustenta a cidadania e alimenta o
gosto pelo bem comum. Uma escuta que gera e mantém o tecido interior de quem
acata as exigências do mundo contemporâneo, que pede o fim de práticas
cartoriais, de um modo antiquado de fazer política, marcado pelo coronelismo ou
pela mesquinhez própria de senhores de engenhos de séculos passados.
É entristecedor conhecer a lista de quem está impedindo avanços
mais audazes de projetos que poderiam ajudar instituições a evoluírem. A
retrospectiva oportuna nessa preparação para o ano novo precisa considerar e
cuidar dos brotos de esperança que devem dar sentido à fraternidade como dom. A
compreensão deste sentido é uma força para banir as maldades tácitas que
perpetuam disputas e mantém tantos como reféns na armadura de uma estatura
pessoal minúscula e pouco cidadã.
A passagem de ano é um convite para viver a vida como admirável experiência do
dom, vendo o quanto a gratuidade deve estar presente em todos os atos e ações.
Assim é possível romper a visão meramente produtiva e utilitarista da
existência. O critério para presidir uma retrospectiva adequada é a
consideração de que o ser humano é feito para o dom, graças à capacidade para a
transcendência. Esta transcendência cultivada abre o caminho de superação da
condição humana ferida e permite alcançar conquistas, na política, na ação
social, na educação, na cultura e nos costumes. Do cultivo desta capacidade,
nascem muitos novos brotos de esperança.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG (Fonte: cleofas.com.br)
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