Eu quero aprender com os acontecimentos. É um jeito de restituir a vida. É um jeito de consolar as mães e, quem sabe assim, ressuscitar os meninos.
A mulher parecia absorvida em sua dor. Trazia no rosto as marcas de um acontecimento que não combina com o tempo. Os dois anos já passados pareciam estacionados em seus olhos, como se a vida não pudesse mais realizar o seu processo natural de prosseguir. Há acontecimentos que não cabem no tempo. Uma dor não dura o mesmo tempo que o fato que a provoca. Ela vai além, muito além. A dor é uma extensão da vida.
O fato foi terrível. Aquela mulher encontrou o seu menino morto na piscina de sua casa. Teve também que retirá-lo das águas. Pegou-o ao colo, assim como tantas outras vezes. Aconchegou-o no peito, assim como nas noites em que o alimentava para que pudesse voltar a dormir tranqüilo. O amor é assim: é feito de madrugadas; feito de silêncios que atribuem sentidos; feito de olhares que contemplam os que amamos como continuidade do que somos. Aquela mulher sabia de tudo isso.
Ao retirar das águas o seu menino já sem vida, aquela mulher parecia cumprir no tempo o prolongamento da escultura de Michelangelo, Pietá (1498), a virgem que segura nos braços o seu filho morto. Pietá é a metáfora da dor materna que não tem nome. A morfologia de um sofrimento agudo que nos retira a fala e que nos dificulta as respostas.
Tive oportunidade de ouvir o seu relato. Contou-me com lágrimas teimosas o acontecido. O cenário era sugestivo. Estávamos à beira do rio Jordão, lugar onde Jesus foi batizado. Ela se aproximou e eu tive a graça de renovar o seu Batismo. Ao derramar água sobre a sua cabeça, foi inevitável o pensamento que me ocorreu. Um pensamento que de alguma forma já se estabelecia como prece. No meu coração, eu pedia a Deus que aquela mulher fosse capaz de retirar definitivamente o seu filho das águas. Pedi ao Senhor da vida que a ajudasse a sepultar o seu filho. Não o sepultamento do esquecimento, mas o que proporciona a ressurreição; aquele que nos dá coragem de olhar para a dor sem que ela nos sufoque.
Logo depois do gesto, enchi-me de coragem e recomendei-lhe com ternura: “Retire o seu menino das águas! Saia da beira da piscina e permita que a vida continue!”. Ela sorriu serena e disse que tentaria. Mais tarde, ela me pediu que escrevesse a frase dita. Eu escrevi. Mas resolvi escrever aqui também. Pode ser que essas palavras caiam nas mãos de pessoas que estejam com dificuldades de permitir o movimento da vida. Pode ser que hoje esse pequeno texto venha encontrar alguém que esteja paralisado pela dor, impossibilitado de prosseguir.
A virgem da piedade encontrou no filho a causa do seu prosseguimento. Pietá só é bela, porque conhecemos a sua continuidade. O filho ressurgiu. Aquele momento não é o definitivo. A dor é a ponte que a fez chegar ao lugar mais belo de seu coração. É a vida. E eu gostaria que não fosse assim. Que meninos não morressem antes da hora. Mas não posso mudar a ordem dos acontecimentos. O que posso é silenciar-me diante da cena e pedir que Deus nos encaminhe para o aprendizado que o acontecimento pode nos trazer.
Fonte: revista Ir ao Povo - http://www.fabiodemelo.com.br
A mulher parecia absorvida em sua dor. Trazia no rosto as marcas de um acontecimento que não combina com o tempo. Os dois anos já passados pareciam estacionados em seus olhos, como se a vida não pudesse mais realizar o seu processo natural de prosseguir. Há acontecimentos que não cabem no tempo. Uma dor não dura o mesmo tempo que o fato que a provoca. Ela vai além, muito além. A dor é uma extensão da vida.
O fato foi terrível. Aquela mulher encontrou o seu menino morto na piscina de sua casa. Teve também que retirá-lo das águas. Pegou-o ao colo, assim como tantas outras vezes. Aconchegou-o no peito, assim como nas noites em que o alimentava para que pudesse voltar a dormir tranqüilo. O amor é assim: é feito de madrugadas; feito de silêncios que atribuem sentidos; feito de olhares que contemplam os que amamos como continuidade do que somos. Aquela mulher sabia de tudo isso.
Ao retirar das águas o seu menino já sem vida, aquela mulher parecia cumprir no tempo o prolongamento da escultura de Michelangelo, Pietá (1498), a virgem que segura nos braços o seu filho morto. Pietá é a metáfora da dor materna que não tem nome. A morfologia de um sofrimento agudo que nos retira a fala e que nos dificulta as respostas.
Tive oportunidade de ouvir o seu relato. Contou-me com lágrimas teimosas o acontecido. O cenário era sugestivo. Estávamos à beira do rio Jordão, lugar onde Jesus foi batizado. Ela se aproximou e eu tive a graça de renovar o seu Batismo. Ao derramar água sobre a sua cabeça, foi inevitável o pensamento que me ocorreu. Um pensamento que de alguma forma já se estabelecia como prece. No meu coração, eu pedia a Deus que aquela mulher fosse capaz de retirar definitivamente o seu filho das águas. Pedi ao Senhor da vida que a ajudasse a sepultar o seu filho. Não o sepultamento do esquecimento, mas o que proporciona a ressurreição; aquele que nos dá coragem de olhar para a dor sem que ela nos sufoque.
Logo depois do gesto, enchi-me de coragem e recomendei-lhe com ternura: “Retire o seu menino das águas! Saia da beira da piscina e permita que a vida continue!”. Ela sorriu serena e disse que tentaria. Mais tarde, ela me pediu que escrevesse a frase dita. Eu escrevi. Mas resolvi escrever aqui também. Pode ser que essas palavras caiam nas mãos de pessoas que estejam com dificuldades de permitir o movimento da vida. Pode ser que hoje esse pequeno texto venha encontrar alguém que esteja paralisado pela dor, impossibilitado de prosseguir.
A virgem da piedade encontrou no filho a causa do seu prosseguimento. Pietá só é bela, porque conhecemos a sua continuidade. O filho ressurgiu. Aquele momento não é o definitivo. A dor é a ponte que a fez chegar ao lugar mais belo de seu coração. É a vida. E eu gostaria que não fosse assim. Que meninos não morressem antes da hora. Mas não posso mudar a ordem dos acontecimentos. O que posso é silenciar-me diante da cena e pedir que Deus nos encaminhe para o aprendizado que o acontecimento pode nos trazer.
Fonte: revista Ir ao Povo - http://www.fabiodemelo.com.br
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